quinta-feira, 30 de abril de 2009

O supremo e os planos econômicos

O supremo e os planos econômicos


O pedido de liminar feito na Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 165, que discute a constitucionalidade dos planos econômicos, deverá agora ser reapreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A liminar requerida visa suspender o andamento de todas as ações que envolvam a indexação das aplicações financeiras, especialmente cadernetas de poupança, nos planos econômicos, editados na década de 80 e início dos anos 90.

Trata-se de uma medida profilática, colocada à disposição do Supremo para que se antecipe às mais de 500 mil ações individuais e centenas de ações civis que versam sobre o mesmo tema. Será um lampejo de racionalidade em um caótico e intrincado sistema que faz com que as demandas alcem números epidêmicos para só então terem uma solução da mais alta corte do país.

Na mesma linha de sistematizar a atuação da Justiça, estão os recentes instrumentos colocados à disposição do Judiciário, como a repercussão geral e os recursos repetitivos, havendo já dois recursos extraordinários na pauta do Supremo, para se julgar os aspectos constitucionais e a sua repercussão geral para o Plano Collor II (RE 597390) e Plano Bresser (RE 597394). Na mesma linha o Pedido de Súmula Vinculante (PSV) nº11, que pretende alçar a essa condição a Súmula nºº 725 do Supremo, cujo verbete tem o seguinte teor: "É constitucional o § 2º do art. 6º da Lei nº 8.024/1990, resultante da conversão da medida provisória 168/1990, que fixou o BTN fiscal como índice de correção monetária aplicável aos depósitos bloqueados pelo Plano Collor I". O que mostra que o Supremo não é pautado, mas constrói a sua pauta, no sentido de dar respostas à sociedade e ao poder que lidera.

O pedido da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), embora seja apresentado por alguns articulistas e articuladores, como um golpe que se pretende desferir contra os poupadores, apenas antecipa e sistematiza uma apreciação que o Supremo deverá fazer, de uma forma ou de outra, como bem demonstram os recursos extraordinários já pautados e a proposta de súmula vinculante em andamento.

A tese da Consif, longe de ser temerária ou uma tentativa extremada, repercute decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a inexistência de direito adquirido a regime jurídico ou a padrão monetário, como claramente apontado na petição inicial: "A moeda do pagamento das contribuições e dos benefícios da previdência privada tem o seu valor definido pela Lei nº 6.435, de 1977, segundo os índices das ORTNs, para todas as partes. Não há direito adquirido a um determinado padrão monetário pretérito, seja ele o mil réis, o cruzeiro velho ou a indexação pelo salário mínimo. O pagamento se fará sempre pela moeda definida pela lei do dia do pagamento". (STF, 2ª Turma, RE nº 105.137-0/RS, relator ministro CORDEIRO GUERRA, j. 31.5.85, DJU 20.9.85, p. 15994, ementa).

"Outro julgado, diz que é válida a substituição do valor do salário mínimo como fator contratual de reajustamento do benefício, pelo índice de variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional... " (STF, 1ª Turma, RE nº 107.763-8/RS, rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. 30.6.87, DJU 18.9.87, p. 19673).

"LOCAÇÃO. PLANO CRUZADO. [...] Já se firmou a jurisprudência desta Corte, como acentua o parecer da Procuradoria-Geral da República, no sentido de que as normas que alteram o padrão monetário e estabelecem os critérios para a conversão dos valores em face dessa alteração se aplicam de imediato, alcançando os contratos em curso de execução, uma vez que elas tratam de regime legal de moeda, não se lhes aplicando, por incabíveis, as limitações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito a que se refere o § 3º do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69. Recurso extraordinário não conhecido". (STF, 1ª Turma, RE nº 114.982-5/RS, rel. ministro. MOREIRA ALVES, j. 30.10.90, DJU 1.3.91, p. 1808).

Outros tantos julgados da corte suprema, versando sobre a validade das normas que editaram os planos econômicos, estão citados na petição, a indicar a prevalência do entendimento, naquela casa de Justiça, sobre a aplicabilidade dessas regras sem reservas.

Caso seja deferida a liminar, não haverá qualquer prejuízo ao suposto direito dos poupadores, uma vez que suas pretensões já estão colocadas ao Judiciário, nas milhares de ações em curso, e a liminar não pretende dirimir a questão de fundo, que é a legalidade dos planos econômicos.

A maior vantagem da ADPF é permitir que a sociedade, pelo Poder Judiciário, avalie o direito, não a partir de uma relação individual ou pessoal (banco/poupador), mas de forma ampla, considerando o custo da inflação, os benefícios do seu estancamento, a neutralidade distributiva dos planos heterodoxos, e se, de fato, os bancos apropriaram-se ou não de qualquer diferença. Para tanto, os que defendem os poupadores deveriam abrir mão de uma tática de guerrilha, de pequenos combates, para submeter-se ao julgamento mais abrangente e definitivo.

O grande número de pedidos de intervenção na ADPF, por meio da figura do amicus curiae, é mais uma evidência da adequação do instrumento para o debate do tema e a participação da sociedade organizada e do próprio governo, como já se verifica com a clara posição apresentada pela Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil.

A urgência da medida liminar é igual ao tempo necessário para que cada pagamento indevido seja liquidado pelas instituições financeiras - e isso tem ocorrido todos os dias, em um fluxo constante -, retirando recursos de uns agentes, em favor de outros. Esses recursos, estejam ou não provisionados nos balanços dos bancos, são os mesmos apontados como necessários para, neste momento de crise, destravar a economia, preservar empregos e devolver a sensação de bem estar geral.

Os que dizem colocar-se ao lado da patuléia deveriam abandonar o irritado discurso "hay bancos? soy contra!!!" e comemorar a propositura da ADPF em questão. Esse é o meio mais rápido e mais eficiente para se ter uma solução categórica sobre o tema.

Com o processo da ADPF, será possível corrigir equívocos repetidos sobre os índices de correção das cadernetas de poupança de décadas atrás. Qualquer que seja a decisão final do Supremo, o país sairá ganhando, livre de mais um esqueleto no armário.

Johan Albino Ribeiro é advogado em São Paulo e membro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


Fonte: Valor Econômico

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