sábado, 1 de setembro de 2007

Mutuário ou Inquilino

Mutuário ou Inquilino

É lamentável, para não dizer esdrúxula, a situação pela qual passam os mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), especialmente aqueles cujos contratos foram assinados no final da década de 80. Quando decidiram realizar o sonho da casa própria, eles tinham uma previsão de que terminariam de pagar suas dívidas ao final de 15, ou no máximo, em 20 anos. Mas não foi isso que aconteceu. Mensalmente dezenas de pessoas nos procuram na tentativa de entender o que exatamente está ocorrendo. Perceberam que, após terem pago todas ou quase todas as prestações do financiamento, lhes foram apresentados um saldo devedor superior ao valor inicialmente contratado e, na maioria das vezes, maior que o valor de mercado do imóvel financiado.
São vários os fatores que levaram a essa distorção, desde a falta de uma política habitacional conseqüente até os desmandos praticados em nome dos ajustes econômicos feitos pelo governo federal. Com relação à ausência de uma política habitacional, o caminho que se apresenta é o da organização da sociedade civil para pressionar e oferecer soluções aos governantes que garantam a todos o constitucional direito à moradia digna.
Quanto aos desmandos proporcionados pela política econômica governamental, resta o caminho da busca da reparação no Poder Judiciário, que tem dado mostra de sensibilidade com a situação do desespero que aflige milhares de famílias Brasil afora. Nós temos assistido, não sem espanto, aos lucros fabulosos dos agentes financeiros que, ano após ano, apresentam ganhos extraordinários, a despeito da estagnação que assola a economia nacional. Lucros esses que são frutos mais de uma política governamental que tem privilegiado o capital, em detrimento da produção, do que propriamente da competência desses agentes financeiros.
O que vemos é uma inversão de valores: os bancos que deveriam financiar estão sendo financiados pela “transferência” de renda da classe média, que viu seu poder de compra cair mais de 14% somente no último ano, gerando uma enorme concentração de recursos em mãos dos grandes bancos, sobretudo nos privados.
A pergunta que se faz é: onde está a função social dos bancos, sobretudo das instituições públicas, que deveriam ser os indutores do processo de crescimento do País, gerando crédito barato e em abundância para quem dele precisa? É esse crédito que possibilita o crescimento econômico e, por conseqüência, o emprego que dignifica o homem.
No que diz respeito ao crédito habitacional e aos abusos praticados indistintamente pelos agentes financeiros, sob a tutela do Conselho Monetário Nacional (CMN), os mutuários da habitação se sentem desprotegidos, vilipendiados e enganados, restando-lhes como única alternativa lançar seu grito de socorro ao Poder Judiciário. O que vemos hoje são milhares de famílias aguardarem ansiosas por decisões em processos judiciais dos quais fazem parte, confiante de que a Justiça poderá solucionar essa situação da qual são vítimas.
Entre as inúmeras irregularidades apuradas nos contratos do SFH, que têm onerado sobremaneira os valores dos financiamentos habitacionais, podemos citar a inaplicabilidade do índice (IPC) de 84,32% no reajuste do saldo devedor em abril de 1990, afrontando a Lei 8.024 de 1990 que estabelece como índice corretor a variação do Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BNTF), verificada entre as datas de aniversário da poupança ocorridas em março e abril de 1990.
Isso significa a angústia de quase 2 milhões de mutuários que têm, atualmente, dívidas impagáveis de saldos devedores, em sua grande maioria, muito maiores do que o valor do próprio imóvel financiado. Alguns com contratos já quitados e que estão sendo obrigados a refinanciar suas dívidas. E exatamente por desrespeitar a lei em vigor é que a Justiça tem reconhecido o direito do mutuário, como ocorreu no Superior Tribunal de Justiça, que, em decisão histórica de 1996, beneficiou os mutuários de contratos de financiamento imobiliário assinados até 31 de março de 1990. Mas infelizmente essa decisão do Superior Tribunal de Justiça não findou com toda a angústia de quase 2 milhões de famílias, já que nova decisão da mesma Casa foi desfavorável aos mutuários que depositavam esperança na primeira decisão do STJ.
O que nos resta agora é continuar lutando na Justiça para que a vitória, até então parcial, possa ser definitiva। No entanto, é importante que o mutuário se cerque de todas as informações necessárias ao iniciar um procedimento judicial, uma vez que bem informado de seus direitos e do resultado prático do que irá discutir, ele poderá ter a certeza de que o imóvel que vem pagando a tantos anos e com sacrifício seja realmente seu e ele deixe definitivamente de ser inquilino do Sistema Financeiro de Habitação.

Antônio Marcos da Silva

Fonte: Jornal do Brasil - 03/08/2004

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